Práticas de Adoração

Para entendermos o que realmente é a adoração, especialmente, para nós católicos, a adoração ao Santíssimo Sacramento, devemos associar dois conceitos importantíssimos da adoração, como escreveu o então cardeal Joseph Ratzinger em seu livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”: o significado da adoração pela linha do grego, e pela linha do latim.

No grego antigo da Bíblia, adorar significa prostrar-se, “[proskuneo]……ficar de joelhos e tocar o solo com a testa como um sentimento de profunda reverência…., é prestar homenagem, é demonstrar profundamente reverência. A prostração como adoração não pode ser um gesto vazio, sem conteúdo, pelo contrário, é um gesto que vai expressar e, falar por si mesmo: reconhecimento, amor, veneração, total submissão. Este gesto é um trazer para fora aquilo que deve estar dentro do coração, não pode ser um gesto vazio e mecânico.

Aquela rendição, veneração, reconhecimento de seu amor e de sua glória que está no meu interior, ao vir para fora, toma a forma de prostração. Ou seja, o gesto fala por si só quando não é vazio e apenas mecanizado. Percebamos como tudo isso já é adoração, a adoração não depende de palavras. Adoração é uma atitude, como que um movimento ou um mover da alma na direção do Senhor, é uma busca de entrar em comunhão, de estar com Ele, nEle, e por causa dEle. A adoração não tem nada que ver com passividade, mesmo quando vivemos um abandono diante de Deus ela é uma atitude espiritual concreta, é um movimento de abandono, uma atitude de abandono, para que não se confunda com passar o tempo ou perder tempo. É atitude porque eu me esforço, abrindo-me ao Espírito, na ação de permanecer, permanecer com Ele, permanecer ligado a Ele, conectado a Ele. Sendo um movimento espiritual de estar diante de Deus, e com Ele, em amor e rendição, a adoração não pode ser vista como se fosse mais um tipo de oração, mais um tipo de oração apenas, oração de intercessão, de louvor, de súplica, e assim por diante, não! A adoração é uma experiência em oração. Por isso nela pode-se ter muitos tipos de oração, dentro dela. Santo Afonso Maria de Ligório, falando de adoração, dizia assim: “o que podemos fazer na adoração? Ora, o que faz um pobre diante de um rico? Ou, o que faz um sedento diante de uma fonte de águas cristalinas? Assim, na adoração, louva-se, pede-se, e entrega-se a Ele.” O que precisamos entender é que adoração não depende de palavras, e ela realmente não está limitada às palavras, pelo contrário, muitas vezes o movimento da alma em adoração a Deus sequer pode ser descrito em palavras. A proskuneo deixa claro o valor da adoração como gesto de amor e reconhecimento.

No latim, adorar, que é adoratio, significa mais a intimidade, o beijo, que, naturalmente, é fruto do Amor recebido, é manifestação de quem se sente amado. Lembremo-nos do Evangelho de João, do discípulo amado que na última ceia reclinava sua cabeça no peito de Jesus, e como disse João Paulo II, na carta “Mane Nobiscum Domine”, podia ouvir as batidas do coração do Mestre. E é isto mesmo! É esta intimidade! É este sentir-se em casa, sentir-se à vontade, ou seja, sentir-se amado! A grande marca da adoração como intimidade é a confiança total no Senhor, uma confiança plena que não pede condições. Por sua vez, é esta confiança que articula e possibilita o nascimento da verdadeira intimidade com o Mestre. É justamente esta confiança, especialmente a confiança no amor inquebrantável dEle por mim, que me deixa à vontade, que faz eu me sentir totalmente acolhido e traz aquela certeza interior de que Ele se importa comigo e me ama, e está do meu lado, e de que Ele não está ali para me condenar, mas para me salvar! Somente esta confiança sincera e total, como dito, pode gerar a verdadeira intimidade da adoração. Sem uma autêntica confiança de amor, a adoração como intimidade não pode acontecer. Neste contexto, da intimidade na adoração, pode e deve surgir “afetos” pelo Senhor. A manifestação afetiva pelo Senhor, no sentido do desejo de Deus, nos prepara, na direção de abrir o nosso coração para aquilo que mais se almeja na adoração em espírito e em verdade: a união mística com o Senhor.

Dessa forma, é preciso entender tanto a Adoração-Prostração como a Adoração-Intimidade para que consigamos compreender, com profundidade, aquela adoração em espírito e em verdade que o Pai está à procura, como disse Jesus à samaritana. Embora seja uma coisa só, a adoração caminha por essas duas vias, formando um único movimento de sentir-se ancorado nEle. Se, de um lado, prostramo-nos em reconhecimento da sua presença, da sua glória, em rendição, num gesto concreto de adoração; por outro lado, isto deve dar-se em intimidade. Eu me prostro, mas não por medo ou pela sensação de que Ele está distante, ou não me aceita, mas sim pela experiência de fascinação com o seu amor, com a sua humildade. Pois, a adoração precisa ter este lado da fascinação, onde embora eu me sinta em intimidade, acolhido e, portanto, à vontade, a fascinação com o seu amor sublime por mim, miraculosamente expressado no Santíssimo Sacramento, me leva a esta reação, a este movimento de me prostrar. A intimidade da adoração faz eu me sentir à vontade, mas o reconhecimento do seu amor, da sua misericórdia, me leva a uma resposta concreta diante dEle. É aqui que surge a comunhão destes dois movimentos, intimidade e prostração, inclinando-nos à adoração em espírito e em verdade. Todavia, a verdadeira adoração vem do amor como resposta ao Deus que se manifesta em Amor, e isto nos leva a uma purificação das nossas reais motivações quando buscamos a presença do Senhor. Nossos motivos não podem ser egocêntricos, no sentido de se estar ali por Ele, e não tanto para que Ele realize nossos muitos desejos. Pois há muitas pessoas que não buscam o Senhor porque o Senhor é o Senhor, ou porque é bom estar com Ele, ou movidos simplesmente pelo desejo incontido de estar com Ele, de ouvi-lo. Significa que são os motivos que me levam a estar com o Senhor em adoração é que revelam se o meu coração ama o Senhor desinteressadamente ou não.

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A adoração, especialmente a Adoração Eucarística, vai traduzir uma espiritualidade própria. Esta espiritualidade precisa ser exercitada, alimentada e cultivada. Ou seja, se aprende a adorar, adorando. Realmente é preciso esta ousadia, este atrevimento, muitas vezes a insistência para fluir nesta espiritualidade. Assim, cada um que queira ou se sinta profundamente chamado por Deus a realmente ser um adorador terá que se lançar nesta experiência, porque, de fato, a adoração é uma experiência a ser experimentada, e é sempre uma experiência nova e de horizontes infinitos. Logo, não é algo que se aprende e ponto final, como quem pudesse dizer: já aprendi! A verdadeira adoração sempre se dá no “novo” do encontro com Deus e, por isso mesmo, requer que nos lancemos a praticar, e, dia após dia, ir crescendo nesta espiritualidade. A prática contínua levará ao crescimento e, via de consequência, a um grau de intimidade e comunhão com Deus extraordinários.

Neste contexto, com certeza, quando vamos à capela para adorar o Senhor o primeiro passo naturalmente será como que uma “tomada de consciência”. Não há adoração profunda sem esta “tomada de consciência”. Tudo começa aqui! É como um movimento espiritual, onde, por um lado, ao entrar na presença de Deus em silêncio e muita reverência, eu tomo consciência da presença de Deus, eu tomo consciência dEle, eu tomo consciência de onde eu estou e diante de Quem eu estou! É a “experiência da capela”; eu tomo consciência da dignidade e da glória do Senhor. E, por outro lado, eu tomo consciência de mim mesmo, de minha fraqueza, de minha miséria, de minha impureza diante de Deus, e daí eu tomo consciência de minha dependência dEle. Na verdade, eu tomo consciência da minha indignidade diante de Deus, não num movimento de me depreciar e me desvalorizar, não, não é isto! É o ao contrário, o foco está em Deus, meus olhos estão fixos nEle, e é com os olhos fixos nEle que eu tomo consciência da minha miséria. Ao reconhecer a minha impureza diante dEle eu evidencio sua misericórdia e re-descubro o meu valor no Amor que Ele tem por mim. É como quem diz: eu sou pobre, eu sou pecador, só Deus é bom, mas, apesar disso, Ele me ama, Ele me acolhe. O meu valor não se limita mais ao que eu faço ou deixo de fazer, mas está submetido e totalmente condicionado ao seu Amor por mim. Esta tomada de consciência, no início, ela tem mão dupla: Ele e eu; mas, depois, torna-se uma coisa só: Ele, eu nEle.

É incrível perceber que este movimento de Adoração – “Tomada de Consciência” que, naturalmente, é vivenciado em profundo silêncio sagrado e momento de sentir-se direcionado ou canalizado a Ele, vai nos levar de cheio para a experiência do proskuneo. Ao tomar consciência de todo este mistério, você prostra-se diante dEle como um derramamento de tudo aquilo, como um modo de expressar toda aquela consciência do seu coração, e acaba por sentir-se íntimo do Mestre. Muitas vezes todo este movimento produz o fruto de radiante gratidão a Deus em alegria, embora isto não seja obrigatório que aconteça, mas o coração do adorador precisa sempre inclinar-se à gratidão. E quando o Espírito ilumina esta experiência, a gratidão invade o coração.

A “tomada de consciência” pode muitas vezes nos levar a um passo de rendição diante de Deus. Render-se, entre muitas outras coisas, é submeter-se totalmente ao Senhor, desistir da própria vontade aderindo à vontade de Deus, desistir do pecado e romper com ele. É também reconhecer a dependência do poder de Deus. É neste movimento de rendição que, se a nossa consciência nos acusa, somos levados pelo Espírito a um arrependimento realmente do coração. Rendição é adesão a Jesus, adesão incondicional a Jesus. Este passo que naturalmente brotou da tomada de consciência vai ser traduzido muitas vezes em palavras concretas (ainda que silenciosamente). Muitas vezes é neste momento que rompemos o silêncio como num transbordamento em palavras de toda esta adesão, arrependimento, reconhecimento, conforme o Espírito suscitar. É muito importante também, via de consequência, tomar consciência do poder e da vitória de Jesus sobre o mal. Nesta rendição eu tomo consciência de que Jesus destruiu as obras das trevas, e do poder dEle sobre tudo, e muitas vezes sou impelido a declarar em oração esta vitória. Este momento de rendição que surge como passo de adoração é, no fundo, no fundo, o feedback da necessidade que surge de declarar em oração tudo aquilo que estava sendo vivido.

Com efeito, todo este extravasamento em oração vai funcionar como uma preparação para o passo da contemplação silenciosa do mistério de Deus. Este passo da contemplação, abrindo mão de nos alongarmos, vai primar pelo abandono. É aquele sentido de deixar as coisas serem o que são por si só. É quando você percebe que as palavras não se fazem mais necessárias e que elas não são capazes de expressar a realidade presente. A contemplação é quando você deixa Deus agir. É, de fato, um abandono! É uma comunhão profunda com o mistério de que a sua entrega, a sua comunhão com Deus, o seu estar diante dEle rendido, é o que é, e não são as palavras que fazem ser! Neste momento eu posso ter diante de mim, suscitado pelo Espírito, um mistério da vida de Jesus: a Encarnação, a Transfiguração…, e me entregar ao mistério, deixando ele agir, na medida em que me mantenho ancorado, focado, mesmo que em abandono, ao mistério de Jesus. Quando este passo da contemplação silenciosa surge, ou quando você sente que é o momento de incentivá-lo ou abrir-se a ele, ele pode ser preparado por um texto bíblico ou por uma leitura espiritual de um santo. Significa que muitas vezes a contemplação precisa ser preparada e estimulada.

Outros passos podem surgir na adoração: um deles, que vale à pena comentar, é a própria intercessão ou súplica e clamor diante de Deus. A intercessão que surge na adoração precisa buscar comunhão com o coração de Jesus, e submissão a Ele. Com efeito, a súplica quando é uma expressão de confiança total no Senhor, com certeza, é um ato de adoração. É como se Jesus nos dissesse: “Eu me sinto adorado quando vocês confiam em mim e me pedem, confiam em mim e suplicam o meu amparo”. A intercessão da adoração precisa realmente ser uma expressão de fé, submissão, dependência de Deus, e confiança total no Senhor.

Para concluir, deve ficar claro que todos estes passos na verdade formam um único movimento, é um fluir para Deus que vai tomando nuances diferentes, não são como os passos que damos numa escada, que para ir para o segundo degrau deixamos o primeiro. É um todo, de voltar-se todo para Deus, em amor, gratidão, e submissão.

Vitor Paris
Fundador da Comunidade Jesus está Vivo.